sexta-feira, 31 de outubro de 2008

LEMBREI DE VOCÊ


Encontrei um cara barbado hoje na rua, com bermuda, seus vinte e poucos anos, sorriso largo e roupa desalinhada. Lembrei tanto de você... quinze anos mais novo que eu, sem querer muito da vida além de aventura e o vento. Eu queria tudo e descobri contigo que o vento era o melhor negócio. Adorava andar do teu lado e fazer aquele casal típico do “nada a ver”. As pessoas olhavam, comentavam e acabavam aceitando dizendo “o quanto combinávamos”. É, de fato, a gente combinava mesmo. Nossa conversa seduzia todo mundo para ser meros expectadores, porque a gente não deixava ninguém falar.
Eu gostava de tudo em você, das suas opiniões, seu jeito amalucado, seu olhar caridoso e sensível, sua ingenuidade, seu fogo na cama. Até hoje eu não consigo entender como pude viver tanto tempo sem ter experimentado você. Eu, que deveria te ensinar os caminhos da vida, aprendi contigo que a vida tem caminhos tortos.
Cansei de parar o que estava fazendo porque senti o gosto de tua saliva naquela hora. Um gosto peculiar, açucarado. Eu lambi cada centímetro de sua boca e era realmente muito bom. Não tem mais uma roda de forró que eu não pare para olhar se você está por perto. Com aquele chapéu indefectível, ou o gorro, ou a calça de moletom rasgadinha do lado, com suas danças amalucadas e uma inebriante vontade de aparecer.
Eu me orgulhava de fazer parte de sua vida, de ser motivo de suas canções, de estar na sua dúvida, de te fazer tremer sempre que falava comigo. Acho que você treme até hoje.
Eu lembro de cada nota que você tocou para mim no violão e de sua gargalha desengonçada que assustava as pessoas e me fazia rir. Você sempre quis rebelar o mundo com essa gargalhada e eu estava com você nessa empreitada.
Agora lembro também que eu tinha você nas mãos e deixei cair num sopro. Das três tatuagens que fiz por você, uma delas com teu nome e que não sairam nunca do meu corpo. Como a marca que você deixou dentro de mim, arranhada com sua barba por fazer.
Isso é amor.

domingo, 26 de outubro de 2008

MAIS UM DRINK


Morte é dor infinita. Eu só quero que você agora não exista mais, só para eu não ter que esperar todo dia pelo dia que você vai aparecer. Às vezes tenho uma crise de lucidez e te odeio intensamente. Nessa hora, pegos todos os recortes que me remetem a alguma lembrança e jogo fora. Caminho e vou viver minha vida como se você nunca tivesse existido.
Eu daria todo o meu humor e cortaria o meu cabelo bem curto só para saber o que você está pensando nesse momento. Será que está pensando em mim? Será que no meio de todo o turbilhão de sua vida ainda sobra um espaço para as lembranças de minha existência?
Eu estou muito ocupada nesse momento, remendando meu coração em farrapos. E nem sei costurar, está ficando difícil dar pontos sem nós. O bolo em formato de coração que fiz para você queimou.
Minha vontade agora é sair correndo até ficar sem ar; escrever teu nome repetidas vezes por toda a ponte Rio-Niterói; comprar todas as coisas que eu acho que ficariam bem em você; derramar flores pelo seu caminho; fazer serenatas; escrever todos os poemas e prosas que caibam na sua biblioteca, incluindo todas as palavras do dicionário, cujo sinônimo, invariavelmente, seja o quanto te amo. Ah, comer todos os pastéis de Belém que meu estômago suporte; pegar ônibus para olhar a paisagem e não me sentir culpada porque penso no teu rosto; pular de para-quedas com uma faixa escrita ‘volta para mim”; alugar um carro de som daqueles bem escandalosos, com músicas bregas só para chamar sua atenção. Compor uma canção linda e aprender a tocar violão para te agradar.
Fazer um caminho de velas para te celebrar; rezar novenas pedindo para que você seja a pessoa mais feliz do mundo. Eu queria ter uma escada bem alta para te dar um pedaço da estrela mais brilhante e dizer que é tua alma que a reluz.
Acho que eu seria uma pessoa até melhor se o nosso amor não tivesse se perdido no meio do nada e ficado todo sujo com uma tinta que não quer sair.
E olha que tudo o que eu queria era só andar de mãos dadas com você e viver contente do teu lado.

sábado, 25 de outubro de 2008

GRITO


Eu chego na janela correndo, quero gritar teu nome o mais alto que meus pulmões conseguirem. Quero que ouça meu grito. Quero que me atenda o mais rápido possível.
Preciso de você. Preciso de você com um atraso de pelo menos uns dez anos. Porque está tão atrasado?
Não entende quem sou eu? Vamos fazer um óculos novo, limpar seus ouvidos, retirar os dramas de sua cabeça. Estou aqui, de frente para você, nua e feliz. Não quero nada demais, só você quando puder, enquanto tiver um minuto, um momento para me ter nos seus braços como se não houvesse outro dia.
Saudade de sua canção. Escuto tudo o que me leva até próximas lembranças.
Fecho os olhos, atenta, para ouvir tua voz. Ouço sussurros. Arrepio todo o corpo. Você está cantando para mim, é linda sua música. É nova? Fez para mim? Que lindo... Canta de novo? Ah, eu adoro quando você canta para mim...
Quer que eu te dê minha mão? Claro! Não solta. Promete que vai lutar por mim em qualquer situação? Então eu confio em você. Também lutarei por você sempre. Eu te amo. Ih, esqueci, não posso dizer, é solene. É casto. Quero te abraçar... pode? Me beija? Tua língua, teus lábios delicados e másculos. Me afugentam de mim mesma? Estou dentro de você agora. Não posso mais sair. Me alisa o corpo com tuas mãos de dono. Tem o poder agora, me tens por inteira. Meu sexo é teu. Meu sonho é teu.
Me ocupa em teus projetos. Você se encaixa nos meus, sabia? Sua camisa está amassada, desculpa, acho que fui eu. Tem batom no teu pescoço. Derrubei vinho no meu vestido. Meus pés estão doendo. Acho que tem um naco de sangue na ponta dos dedos. De que você tem medo? Me dá tua mão agora. Você está protegido, vou te proteger até de si mesmo. Não soluça... meu amor, esquece. Ta chovendo lá fora, não podemos sair agora. Coloca teu sexo na minha mão. Você é meu homem e eu sou tua. Tem calor demais aqui dentro. Arde demais no meu peito. Minha garganta ta arranhando. Quero um gole de vodka. Deu zonzeira.
Cala meu grito, diz que tudo é mentira, uma brincadeira de esconde-esconde. Diz que me testa, que morri por nada, que somos felizes, que é tudo de verdade. Que pensa em mim sempre, que sonha comigo toda noite, que não tem nenhuma mulher que se encaixa com você como eu. Diz... cala meu silêncio, lembra de nosso encontro, ria de minhas tolices, compreenda minha ansiedade.
Me cala de frente para a janela. E fecha meu medo de não ter você no meu futuro. Porque não sei mais como se fala amor se não for para você.

UM DIA EU VOU


O dia está tão claro hoje, meu corpo arrepia com o vento surpresa. Coloco a minha blusa laranja ardente, minha saia estampada e uma sandália de dedo e caminho pela calçada, sem pretensão. Meus cabelos soltos e o rosto sem maquiagem indicam meu estado de espírito, livre, leve, solto.
Não quero dogmas, falácias, ignorâncias... quero eu mesma. E só.
AS pedrinhas da rua entram por entre meus dedos e chego a tropeçar, mas não caio. Tenho vontade de sorrir para todos mas vou para a areia da praia buscar a solidão do mar.
Encontro meu aconchego, refugio dos solitários e perdidos em pensamentos e desencontros.
O mar... suas ondas molham meus pés já descalços e me sinto limpa.
Que é isso que eu vejo ali na frente? Um cavalo marinho...Dizem que encontrar um é ter uma vida de viagens. Já me basta viajar dentro de mim mesma, para encontrar o que não sei bem o que procuro.
Meus olhos ardem com o por do sol. Meu corpo escorre um pouco de suor e minha blusa gruda no corpo. Meu cabelo resseca no sal e meu pensamento se desvia com a bola de uma criança.
Não quero pensar em nada.
Sento na ponta da pedra e sinto minha alma flutuar. Talvez um dia eu saiba porque errei tanto. Talvez um dia encontre um fundamento para ter tanto medo de dar mais um passo. Talvez um dia eu encontre o sol dentro de mim.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

NOTIFICAÇÃO


A vida é um dia claro, uma noite de tempestade, uma trégua. Somos da natureza e uma formação do vento. Às vezes, as palavras soam equivocadas e perdemos uma estação. Muitas vezes é o silêncio que perde o sentido.

ELE COMBINA COM MEU VESTIDO


A gente combinou que não era amor. Combinamos agora que você colocou um fim. Combinamos sermos amigos, como se o beijo que você me deu na boca fosse mera amizade. A gente combina tanto que eu até aceito suas combinações estranhas. Eu só não consigo entender porque você é tudo o que eu quero e eu sou tudo o que você quer, mas ainda assim nossas contas não conseguem entender a adição.
Combinamos então sermos amigos. Liguei para todos os meus amigos como você e avisei que estava disponível. E fiz sexo com alguns para me convencer que não estou contigo.
Na primeira oportunidade, aproveitamos um deslize para nos ofender. E procuramos nas entrelinhas, os motivos mais eficazes para justificar o medo. Ainda estou com seu livro nas mãos e as palavras na garganta. Uma lágrima teimosa insiste em cair sobre ele.
Não vou ter você para contar as novidades. Não vou ter você para me incentivar a ser o que sou. Não vou te ter para me colocar dentro de mim como você me coloca. Fecho os olhos para ter medo do escuro e esquecer que tenho é medo de você ir de vez.
Ah, isso é muito mais amor que o amor, querer você por perto e me afastar de você para te ter por perto. Tentar disfarçar o tamanho do meu coração para não assusta-lo, de tão grande que ele está.
Você é insuportavelmente igual a todo mundo, talvez por isso eu te ame tanto. Não faz a menor questão de ter uma diferença, sequer uma necessidade de ser diferente. Tem todos os defeitos do mundo, mas é insuportavelmente melhor que todo mundo.
Combinamos nos desentendermos em todos os momentos que o amor ficou maior que qualquer questão. Mas seus fluidos ainda estão sobre meu corpo e sua camisa cor ocre arde nas minhas vistas. Nem consigo fazer mais poemas porque as palavras não combinam mais entre si. Mudo e reverto os trajetos para esquecer de sua existência impertinente em todas as esquinas que caminho. O seu nome está escrito no meu travesseiro e só durmo de bruços.
Talvez um dia a gente combine que você seja meu dono e que cheire meus cabelos com suspiros profundos, apalpe meu sexo para domina-lo, morda os bicos dos meus seios para engolir minha alma, detenha minha língua para modificar o silêncio, me convença que ama minhas manias mais insuportáveis e que nunca vai enjoar delas, salpique dentro de mim a idéia da perfeição, caia no meu colo depois de uma bebedeira, regule meu decote, sinta ciúmes de meus amigos e de seus amigos quando me olham admirados, se orgulhe da tola que tanto te ama e se sinta o idiota mais feliz do mundo borrado de batom vermelho sangue.
Talvez um dia você possa receber o meu afeto sem limites. E possamos beber de alegria e viço, a surpresa de não saber o que se é.
É, talvez um dia a gente combine que o sexo que desejamos seja o sexo para sempre, ou até que o tesão exista e o amor seja eterno e ainda caiba em nossas combinações. .

REVIRANDO LATAS


Eu fico horas escrevendo milhares de coisas com a esperança que você as receba nas ondas do pensamento. Eu deleto quase tudo depois, porque passa. O amor passa, mas a gente insiste em sentir dor por ele, como se fosse eterno. A gente sabe que nada é eterno. Sabe que vai morrer e que todo amor morre antes. E antes do amor, a gente dá um empurrãozinho na dignidade também.
Eu sou tão passional que me vejo de joelhos aos seus pés pedindo para que volte a ficar nos meus pés. E quando tomo um banho gelado vejo o quanto são ridículas as repetições da insanidade do amor.
Sugiro que todos os apaixonados sejam internados! O amor nos torna absolutamente surreais. Quem lê as minhas linhas de amor, compreende porque preciso de uma camisa de força quando digo “estou apaixonada”.
Sou capaz de escrever músicas, poesias, textos, histórias sobre o mesmo tema: seus olhos. Vai entender o amor? O importante é a licença poética.
Meu telefone não para de tocar e quando toca e não é você, o desanimo me abate. Mesmo sendo a mais maravilhosa noticia, não é a sua voz que está do outro lado da linha.
E como está o meu cabelo? E a maquiagem, ta de enlouquecer?
Ah o amor... que tolice essa história de sentimentos. Perdemos tanto tempo falando dele que não o vivemos de fato.
Estou me tornando uma “guru” do amor corrompido. Se quiser umas aulinhas de loucura, apareça! Minha casa está que é puro incenso. Pode ser que assim você chegue mais rápido ou pegue logo esse telefone e ligue para mim, diga que tudo não passou de uma bobagem e que a gente vai ficar para sempre feliz. Será que essas estátuas que comprei vão servir para alguma coisa?
Eu comecei até a rezar e pedi a Deus que faça o milagre para eu poder acreditar Nele. Quem sabe com a fé as coisas se resolvem mais rápido?
Será que você escuta quando te chamo?
O amor remexe o cérebro e parece que vai cair todas as lembranças que vivi.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

SECULAR


Perdida estou num lugar que nunca estive. Nem sei se estarei um dia. Mas escrevinho palavras incoerentes para desenhar meus sentimentos tortos. Rimo palavras sem eixo, irrito as letras com meu canto. No canto, solfejo soluções e prantos. Me assusto com o que vejo e o que não vejo. Tua alma. Tão opaca que oprime e chego a duvidar que te amei tanto. Ou te amo e amarei em bruma. Rouca de gritos insolentes, solenes sentidos de apego. Me pego pensando em ti em frações de segundos mais rápidos que meu ar. E tua boca curvilínea que me sorri em desalinho e tonteia minhas pernas incoerentes que cismam em caminhar até ti.

Deixarei intacta tua imagem. Fixa imagem de franqueza. Deixarem minhas mãos me guiarem para o mar e a lua que parece tão próxima, mais próxima que tua alma.
Sinto que sou um gesto, que posso te possuir. E que posso me enganar com a lua que parece tão perto e com o mar que parece tão sereno... teus olhos serenos de mar e brilhantes como a lua, me afogam de saudade.

Nem mesmo num lugar onde estive, talvez nem estivesse mesmo lá, presenciei olhos tão silenciosos. No canto deles há uma coisa que me encerra. Estou demasiadamente perto, para ser engolida por eles. Encerram e não ouso mover. Nada que me estenda a esse lugar que nunca estive se iguala ao poder de tua intensa fragilidade. Ou de tua ternura quando respira. A morte se recicla em teu olhar, tão doce e selvagem olhar...
Que pequena sou eu diante de teu mar. Misterioso mar de olhos tristes e perenes. Tão perenes quanto a vida que se espreita e a vontade rouca de te invadir e te amar e ser amado pelo teu olhar.

Te deixarei ir, não sem antes encostar no meu rosto o teu rosto e fazer com que sintas o meu aroma. Talvez você sufoque, talvez você desmaie. Talvez você descubra o meu veneno. Ouvirei tua fala amorosa e teu suspiro seco. Teus olhos para mim, tão fechados e vivos e misteriosos, tão meus que nem sei onde coloca-los.

No fundo do mar, talvez. Na ponta da lua, na curva das estrelas. Na saudade que acena com a mão que teus olhos já me descreveram tantas vezes sem querer...

SINAIS DE FOGO


A vida, irremediavelmente, é um estresse.
Eu tenho uma vontade louca de quebrar o dedo do pai da garotinha, que permite que ela aperte, insistentemente, o botão do sinal de transito, que quebra, porque tem que quebrar mesmo. Um desejo insano de socar o guarda que fez vista grossa para o homem que estava com ódio do que ouviu no telefone (ou do que não ouviu) e quebrou o orelhão inteiro, sem nada ter feito para impedir ou repreender.
Da mulher que leva seu cão para passear e permite que ele faça pelas ruas, todo o coco que poderia caber em seu intestino e não limpa. Das pessoas que andam em zigue-zague e ocupam toda a calçada, impedindo que alguém passe a frente.
Dos carros que fazem questão de passar pelas poças d´água feitas pela chuva ou pelo estouro de algum esgoto, e derramam aquele líquido fétido em cima de uma roupa limpa e saudável. Dos que avançam o sinal e dos outros que param na faixa de pedestre. Sem contar dos que estacionam no meio da calçada e a gente tem que passar pelo meio da rua.
Dos ônibus que não param no ponto quando damos o sinal e quando param, estão a “quilômetros” de distancia e a gente tem que correr a plenos pulmões, porque as vezes eles vão embora quando estamos chegando perto.
Tenho raiva da humanidade quando vejo os pedintes, que usam seus filhos ou alugam os dos outros. Crianças pequenas com o nariz escorrendo de catarro, os pés descalços e nuas pelas calçadas sujas, tudo para comover o tolo passante, que acha que dando uma moeda vai mudar tudo e não percebe que só alimenta a hipocricia.
Não entendo porque o policial aponta uma metralhadora imensa para quem está caminhando pela calçada, carregando mochilas e filhos que chegam da escola. Nem o som estridente da loja de colchões, que quer atrair seu público com um funk assustador.
E o que falar das pessoas que entregam folhetos de divulgação e forçam uma barra enorme para você pegar aquele papel que vai parar na lata de lixo, sem sequer você ter interesse em saber o conteúdo.
Saio do meu corpo de tanta insanidade com alguns comerciantes que te atendem mal, como se fosse uma ousadia de sua parte ir comprar naquela loja. De quando a gente senta para tomar uma cerveja na beira da rua e não consegue engrenar uma conversa sem ser interrompida centenas de vezes pelos vendedores ambulantes, que também não se intimidam em jogar areia em todo o seu corpo quando você está deitada, tentando pegar um sol na praia, em paz.
Da porta do banco que trava quando você tenta entrar, sem absolutamente nada de metal ou coisa parecida e ainda tem que aturar o sorriso de canto de boca do guarda.
Daquela criança irritante que corre pela loja e abre a cortina do provador que você está. E me deixa roxa a vendedora da loja que te aborda na vitrine da loja, já avisando que naquele lugar não tem nada que caiba em você.
Mas talvez o “hour concurs” sejam os idosos. Coitados! Visados pelos preconceitos e impostos a humilhações da sociedade jovem, que não entende sua maturidade e vivência... Usam e abusam de sua arrogância e esqueçam que os direitos são de todos. Tem também as grávidas, os portadores de deficiência e as mães com crianças no colo. A alegria que um idoso tem de reclamar seu lugar na fila com essas pessoas é qualquer nota! Aquelas velhinhas adoráveis, oriundas de histórias infantis, escondem uma vida de virtudes e vícios, esquecidos pelo romantismo dos direitos conquistados. Não tenho nada contra os direitos, mas contra a forma como se utilizam deles.
Ah, essa vida de estresse, com pequenas coisas da necessária convivência humana. Não temos como escapar desse esbarrão no meio da multidão, nem das pequenas irritações e ódios diários.
Depois de ir a rua, queremos morder a primeira pessoa que passa na nossa frente e criamos um campo de batalha por tão pequenas coisas, que até esquecemos o que é. Ódios produzidos pelo mundo moderno, pela fumaça do ar, pela pressa.
Só me resta sonhar com minha casa no campo e a doce angustia de esperar o dia amanhecer.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

SIMPLES QUESTÃO


Não é uma questão de “caralho”, mas também o é. Não é por isso que sofro por ele. Mas também é. Porque o “caralho” dele é lindo e me faz muito bem quando está dentro de mim. Mas não é por isso. Eu sinto sua falta quando estou sozinha e quando estou fazendo alguma coisa. Parece que tudo fica meio sem sentido quando eu sei que não poderei mais ligar para ele e contar a última novidade incrível. É falta do homem que ele é, que me faz sentir a mulher que eu sou. Aquela mulher que muitas vezes a gente esquece de ser por causa do mundo e de si mesma. Esse mundo tão correto de coisas para serem feitas por pessoas corretas. Ele me permitia ser incorreta e me olhava com tanto desejo que tinha lá sua transcedência.
Então eu sinto falta dele, faz parte sentir falta de tudo o que nos faz sorrir e chorar. E do gozo desse homem, de sua boca quente que se abria sem freios para invadir a minha.
Ah, nem penso mais no “caralho” dele e de qualquer outro homem. Porque ele é o próprio bom “caralho”... aquele que não precisa de tamanho nem espessura para fazer bem o “serviço”. Ele é assim, não precisa ser charmoso, nem bonito, nem alto, nem inteligente, nem rico. Basta ser o que é porque é assim que me faz tão feliz.

DESCONFORTO


No meio da mesa de chope, desviou um olhar para o meu decote. Me contou sobre todas as mulheres que tem comido e dos porres que tem tomado. Às vezes se incomodava quando lembrava do meu vestido que mostrava as pernas. Isso te mostrava que eu não era um amigo de futebol, mas a mulher com quem você dividia a vida até mês passado. Comeu com ansiedade a carne seca com aipim que pediu. Não lembrou que eu detesto carne seca. Entre uma garfada e um gole, me chamou de amor e não se tocou disso. Eu percebi, como todos os gestos camuflados e os toques com o polegar que me dava quando estava nervoso. Parecia um encontro derradeiro, mas era apenas mais um como vários que fazemos durante a semana. Às vezes ele acaba na cama, outras vamos embora como se fossemos dois colegas de classe.
Eu já desarrumei a cama algumas vezes só para lembrar que você dormia nela. Me iludia com teu cheiro no meu travesseiro para que eu pudesse levantar e continuar a vida normal. Chorei copiosamente quando lia um poema que você me declamava e lembrava dos nossos porres e noites de violão. Deixo a tábua do vaso levantada para saber que você está presente. Aproveito para fazer aquela comida que você prefere e a saboreio com um nó na garganta porque sei que o tempero está azedo.
O cd que está tocando é o que você deixou por acaso, depois que levou todas as suas coisas, menos a si mesmo. Ele está no “repeat” e soa como um mantra te chamando para ouvi-lo comigo. Queria que você o levasse de vez, mas não tenho coragem e propor esse corte.
Apesar de estar com fome, meu enjôo não passa. Tem um bolo irritante de angustia no meu estomago. Não sou perfeita, não confundo amor com ego.
A porta da sala ainda tem a marca de suas batidas antes de ir embora. E o copo quebrado cortou o meu pé. Duas, três semanas... nem consigo mais lembrar que isso é depressão.
Você bebe tanto que não lembra onde é o banheiro do nosso boteco de sempre. Quando volta, pede um domec. Seus olhos estão vermelhos, a língua enrolada e as mãos cada vez mais próximas do meu corpo. A gente não para de rir na maior parte do tempo. É sempre assim nossos encontros sem compromissos. As mesmas piadas, as mesmas lembranças dos tempos de amor e tropeços, as conclusões idiotas que chegamos quando nos percebemos tão normais e iguais de sempre. As tantas, com o garçon lavando nossos pés com água suja, você quer pagar a conta. Não aceita divisão. Me pega pelo braço, me abraça forte, me dá um beijo de tirar o fôlego, não fala nada, fico tonta com seu álcool e pegamos um táxi.
A noite deve terminar na cama. E a gente não deve terminar nunca mais.

EM SI


Depois de sair da fila do mercado, com sacolas de compras quase rasgando pelo peso e as pernas inchadas pelo calor irritante, ela estava indo para a casa, depois de mais um dia, mais um instante.
Chegou perto dos filhos, que gritavam por todos os motivos que uma criança grita e fez desdém. Guardou as compras, bebeu uma água bem gelada, a ponto de parecer cortar o cérebro e, enfim, tirou os sapatos.
O dia estava terminando, já começava a escurecer. O barulho da televisão começava a incomodar, mais que os gritos das crianças. Deixou todos por lá e se trancou no banheiro. Tirou lentamente cada peça de roupa, como se todas elas fossem um estorvo. Fitou o azulejo com melancolia e assim ficou por uma eternidade. Bateram na porta do banheiro. Não importa. Não dava para ela ouvir mais nada, a não ser o silêncio contagiante de seus olhos mirando os azulejos velhos. Buscava, talvez, seus sonhos perdidos, ou a mocidade que ela nunca teve. Buscava a si mesmo, talvez.
Talvez era a palavra que ela mais usava para se expressar. Ela era o próprio talvez. Defronte ao espelho pequeno e opaco do banheiro, buscou sua identidade, se é que poderia ter uma. Estava imóvel diante do fardo que pairava na imagem.
Dirigiu-se ao chuveiro, abriu lentamente para deixar a água se espalhar. Estava muito quente, tanto que deixava o seu corpo vermelho. Ela suava debaixo do chuveiro quente. Sua coluna era curvada e suas mãos pendentes. Os cabelos sem brilho, sem corte, sem cor. Deixou a água cair até o corpo se anestesiar. Sua mente também. A porta não parava de bater.
Saiu do chuveiro, se secou lentamente, vestiu um vestido velho. Duas crianças entraram correndo porta adentro. Foi até a cozinha, bebeu um copo cheio de água geladíssima, que contrastava abruptamente com o seu banho quente. Não sentiu nada. Ainda estava anestesiada.
Com os olhos marejados, foi para o pomar. Tinha quatro árvores carregadas de frutas. As mangas caíram quase todas e apodreciam no meio do mato. Ela pegou uma dessas mangas e sentiu quase uma cumplicidade. Sentia-se podre no meio do mundo. Apodrecendo sem ninguém para reparar nisso. Uma fruta tão suculenta, madura, saborosa e apodrecendo sem ninguém para aproveitar toda sua beleza que Deus deu. Uma fruta não pode caminhar até alguém para ser devorada. Ela apenas cai e permanece à mercê do tempo. Mas é injusto dizer que ela se perde. Há larvas se alimentando delas, bactérias, formigas, pequenos insetos. Então, chegou a conclusão, nada se perde, sempre tem algo ou alguém para aproveitar essa fruta. Mesmo que sejam os seres que temos nojo.
Isso lhe deu vida. Esse pensamento lhe deu força. Pegou uma manga no pé e a comeu. Nunca tinha comido uma fruta tão gostosa. Lambeu os dedos, lavou o resto de manga que sobrou nas mãos e no rosto, foi para o quarto e colocou um vestido novo. Ela tinha ganhado de aniversário de sua irmã. Achou que nunca teria ocasião para usa-lo. Mas agora era a hora. Ele era florido, vistoso, elegante. Combinava com uma sandália que tentou guardar para não gastar. Estava se sentindo linda. Passou um batom nos lábios carnudos e ressecados, escovou os cabelos e os deixou com um brilho que não tinha. Escolheu um brinco comprido, uma pulseira que combinava com o colorido da estampa do vestido e respirou fundo. Sorriu. Nunca tinha sentido a brisa do mar estando tão longe dele. Mas por esse instante, se sentiu livre e abriu os braços para abarcar o mundo.
Escreveu um bilhete rápido e colocou num envelope roto. Colou com o cuspe. Pegou as crianças, como estavam, e bateu na porta da vizinha solteirona. Pediu que cuidasse deles para ela. Deu um beijo amado em cada e dedicou tudo o que tinha de mais maternal àquele momento. Ficou em silêncio, admirando a cria. O menor, de dois anos, começou a chorar querendo colo. Ela o beijou, abraçou e ele sossegou. Parece ter entendido. Os outros dois apenas se reservaram o olhar de espanto, mas correram para o quintal da casa, que tinha seus atrativos. Então ela agradeceu e fechou a porta da vizinha. Fechou a sua porta de casa. Caminhou pela rua e foi até o final dela. Depois não se avistava mais a mulher, apenas permanecia o seu perfume.
Ao chegar em casa, o marido não encontrou ninguém, apenas um bilhete dentro de um envelope roto.
“Descobri o amor numa manga caída e vou lutar por ele. Cuide das crianças.”

NÃO QUERO SABER DE MAIS NADA




“Foda-se!!” – Cheguei a essa simples frase ao constatar que estou próxima dos quarenta anos e não estou estressada por causa disso. Achei pior fazer 30 anos, parecia aquela fase de transição entre ser jovem e já ser uma mulher que lembra da juventude. Isso é pior. Mas como superei essa fase me sentindo muito mais interessante que antes, agora acredito que chegar aos quarenta, seja uma grande paz.
Será que de repente eu vou ficar com medo de ser uma “paz” muito grande?
Eu sou sensível demais, choro com fim de novela, fim de filme, emails de corrente, fotos escandalosas, as dores dos amigos e até dos amigos dos amigos. Eu já tive vergonha disso. Agora... “foda-se!”
Sou maldosa, ardilosa, manipuladora e escancaradamente eficaz. Sou feliz com pequenas coisas e comovente com pequenos gestos. Coloco um dia uma roupa linda de morrer, um sapato engraxado e altíssimo, cabelos escovados e brilhantes, maquiagem elegante e outro dia estou de tênis, cabelos com um nó atrás, roupas que não combinam e nem mesmo um brilho labial. Acordei assim e pronto. E daí?
Fico irritada quando vejo uma janela aberta e sei que não é apenas uma janela aberta. Vá lá que ninguém veja isso também. Muito pouca coisa que eu vejo, todo mundo vê. Eu surto de vez enquando, gosto de jogar coisas no ar, de falar palavrões, dar gritos de alívio e ficar com cara de louca mesmo, quase do tipo que baba. Adoro causar medo e desconforto nas pessoas, porque é uma forma de demarcar território. Quando ninguém espera, eu sumo. E apareço nas horas mais estaparfúrdias. Não tenho paciência alguma com papos fúteis e detesto ouvir dramalhões. Mas adoro quando escutam os meus.
Um gesto meu salva uma vida, uma palavra estraga outras. Sou impulsiva por natureza e ela não tem nada de morta. Meus instintos são insaciáveis e normalmente chego antes de mim, me atropelando. É como se eu tivesse um tufão dentro de mim mesma que me faz sair do eixo, ficar tonta, ir para o lado oposto e não reparar o estrago que ele fez. Ou, pior, que ele me fez.
Sou daquelas mulheres que podem se apaixonar por uma piada... um cara que sabe contar aquela piada mais sem graça, que quase ninguém ri ou ri para não desagrada-lo e ainda mantém o mesmo charme... é para me deixar de quatro, quase que literalmente. Mas também sou capaz de deixar os homens esperando amargamente dentro de algum carro, quando marcam comigo e eu simplesmente não apareço. Porque também não gosto de dizer não...
Sou capaz de chorar de amor por mais de uma semana e acordar um dia como se nada tivesse acontecido. Para que sofrer de amor se a gente sabe que ele um dia passará? Mas as vezes eu coloco uma música daquelas que lembram a maior das rebordosas e choro, como se quisesse lembrar do que senti para nunca mais passar por isso.
Eu gosto de ficar pelada, mas não acho que tenho corpo para isso. Fico satisfeita em não ser tímida diante dos homens. Sou uma romântica inveterada, mas não lembro mais com quantos homens transei.
Gosto de ser diferente, que tenha gente que me deteste e me inveje. Mas quando sei dessas pessoas fico muito mal. Um amigo me chamou de uma “bussula em campo magnético”, porque tenho uma energia tão grande que fico sem norte.
Sou uma mulher com quase quarenta, com aparência de 30, que às vezes deixa o cabelo branco aparecer só para lembrar que não tem mais quinze anos para ser tão inconseqüente. Mas ele insiste em crescer e me descabelar com o vento. Nessa hora, tudo o que eu quero é um carinho e se for preciso, fico mansa para o resto da maturidade.

NÃO PRECISA EXPLICAR





Essa nossa historia começou há quase dois anos. Nos conhecemos quando eu queria conhecer todos os homens do mundo. E o melhor lugar para isso é na internet. Ele me procurou, marcamos um encontro e ele foi direto. Não parou para chopes e conversas fiadas. Transamos. Ele me deixou em casa e não fez nenhuma promessa. Nem ligou no dia seguinte. Nem no outro. Quando já tinha esquecido desse evento, ele apareceu no msn. Foi direto, queria transar de novo. E se eu fosse uma mulher normal, daria uns bons foras nele e o desconectaria da minha lista de contatos. Mas não hesitei e confirmei o encontro e transamos melhor ainda que da outra vez. No começo fiquei tímida, comecei a pensar, olhava aquele cara mais novo que eu, musculoso, interessante e que eu sabia muito pouco sobre ele. Tive o impulso de não me sentir culpada e querer saber tudo sobre sua vida, para justificar aquele sexo tão sem compromisso. Mas não dava tempo. Um sexo ardente e depois tchau. Não se sabe se haverá um próximo encontro, muito menos quando. Nessas horas, que eu poderia espernear com o romantismo embaixo do braço, sucumbo ao mistério de ter um homem quase invisível.
Já saímos todas as semanas, demoramos meses, ficamos cinco dias seguidos... não tem regras, nem muito assunto, nem explicação, muito menos cobranças. Ele já disse que era meu namorado e impôs uma fidelidade que jamais teríamos. Temos nossas historias, vidas, romances, como todas as pessoas comuns têm. Mas nos esbarramos de vez enquando. Quando ta chovendo, quando ta calor, quando ta de lua cheia... sei lá... isso não importa. É sem culpas, sem traumas.
Ele tem dez anos a menos que eu. Sei que tem um bom emprego, um bom carro, o mesmo time que eu, é aquário e adora malhar. Saber o bairro em que mora e a foto da namorada me fez ganhar intimidade. Seus pelos claros e sua cabeleira se perdendo de uma cabeça bem desenhada, me faz ama-lo infinitamente em todos os momentos que estamos juntos. Mas quando ele vai embora, não lembro mais seu nome.
Nunca nos ligamos, mas temos nossos números. Nunca nos declaramos, porque não precisa. Mas ele gosta de mim, me olha no fundo dos olhos, me faz sua mulher e me sinto plena nos seus braços. Por alguns minutos, parece que estou com o homem da minha vida. Eu sou uma mulher que tem o homem da vida dela em uns minutos e depois esquece dele como se fosse fugaz. Uma paixão sem nomeclaturas.
E será que a paixão é um sentimento constante e rotineiro? Suponho que o nosso encontro proporcione mais paixão do que a maioria dos casais convencionais. Não precisamos de nomeclaturas
O mais interessante é a indumentária que envolve as necessidades. Quando termino com um namorado, quando estou em crise, quando estou subindo nas paredes de abstinência sexual, ele surge no msn e vai direto ao ponto, como uma injeção de adrenalina. Depois de um sexo selvagem no banco de trás do carro, numa bucólica rua do meu bairro, nos despedimos e voltamos aos nossos afazeres, com o rosto mais saudável e o suspiro de alívio de não se preocupar em saber o que é isso.