domingo, 28 de dezembro de 2008

DESALINHO


Eu entro fácil no jogo. Eu quero entrar. Esse jogo de gato e rato, de paixão e lasciva, de sexo e posse. “Sem posse, por favor... “ eu te imploro e você me domina. Eu me deixo dominar, me entrego lutando um pouquinho para dar mais graça. Eu quero isso, quero paixão, quero você me desprezando e eu fazendo seu jogo. Quero desprezar você e te fazer de capacho. Quero brincar com teu ego, massagear, irritar, tirar e colocar. Quero doer, fazer doer. Quero chorar e fazer chorar. Quero você nos meus pés enquanto eu me levanto dos teus.
Mas quando você me olha nos olhos (ah, quando você me olha nos olhos...), daquele jeito quente e molhado ao mesmo tempo, daquele jeito só teu, que me desnuda, me afaga, me trás para dentro de teu corpo.. não tenho nada de posse, nem de domínio, nem de dores... só tenho consciência que nada pode ser tão claro para quem tem paixão.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

INDEFESA


Ele me olha dentro dos olhos, tão fundo que chega ao estomago. Eu retribuo cinicamente. Sinto calafrios quando ele me penetra com seu olhar, mas me mantenho firme, enfrentando sua força tão improvável.
Ele tem uma magnitude nas mãos que me entorpece. Quando estou perto fico tremula e não disfarço. Para que? Não tenho medos, tenho desejos, tenho portas abertas, tenho possibilidades e tantas e tantas vontades que basta fechar os olhos e me permitir.
Eu o quero por perto. Dentro de mim, com os olhos, as mãos, o que puder estar por dentro. Quero sua alma bem próxima a minha. Eu o quero. Como se quer um presente, um sonho, um doce. Quero seu corpo, seu sorriso, seu olhar fixo nos meus e se esquivando um pouco, não por medo, mas por charme. Um charme inospio, um quê de criança e homem além de tudo o que se respira.
Além, quero ele além de mim, lá longe de onde já foram. Quero ele mais que tudo o que passou. Quero tanto que nem sei dizer o que é isso, nem sei dizer o que me suspira, o que me extasia, o que me prende a tanto.
Ele me olha tanto, de todos os jeitos, em todos os sentidos, até de olhos fechados. Me caça, sente meu cheiro e me provoca. Me possui como um bicho, me puxa pelo cabelo, me devora. Me detém como um cárcere de desejo e macula.
Eu soluço, tremo, esperneio, envaideço, amoleço. E não quero fugir.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

O QUE FOI EM VÃO


Uma hora eu derramo lágrimas de saudades de um. Noutra eu suspiro pelo segundo. E mais adiante, sonho com o terceiro. Que parte de mim se derramou? Amarga solidão de corpos estáveis, que me fez essa criatura enfadonha com meus vestidos rodados e minhas rebeldias sem causas. Eu paro em alguns momentos e peço uma escolha. Mas meu coração não se rende a uma opção. Cada um no seu espaço, com sua esperança, seus delírios. Cada um distante de mim, para eu poder sonhar, suspirar, chorar de saudades. Cada um me faz ser essa louca solitária, uma loba uivando para a lua almejando um passado que, como se diz, já passou.
Não sei dizer se me escrevo nestas lembranças ou se elas existem porque não foram terminadas como eu queria, como deveriam ser finalizadas histórias de amor. Do tipo que se diz adeus, se explica que o coração partiu, que o amor acabou ou se transformou, que talvez não seja a hora certa, mas que foi bom enquanto durou. Não. Todos eles se foram repletos de amor e se perderam na bruma. Deixaram rastros pelo caminho, deixaram hipóteses, deixaram pedaços de si e levaram pedaços meus. E não houve devolução porque não deu tempo.
Não há tempo para despedidas quando se ama demais. Nem dá tempo para rearrumar as malas da partida. Vai com a roupa do corpo, desalinhado mesmo, até enxarcado pelas lágrimas. Vai como quem esta perdendo o trem, correndo desesperado atrás, sem ter sequer o bilhete nas mãos.
Eu penso em um, dois, três e posso pensar num quarto se assim couber. Não posso é ficar sem pensar, sem sentir saudades, sem suspirar em rever um amor. Não posso ficar sozinha com meu corpo e minha alma. Não posso achar que tudo foi em vão, porque senão estarei fadada a acreditar que minha própria vida foi em vão.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

EU MESMA NO ESPELHO


Eu falo sozinha, caminho pela areia e deixo a onda molhar meus pés.
Sou egoísta, ingênua e nem sempre penso no amanhã.
Gosto de escrever quase tanto quanto falar.
Escrevo poesias e histórias minhas e dos outros.
Tenho medo de barata.
Odeio vomitar e depender de alguém para andar.
Sou exagerada e tudo para mim é para sempre, até passar.
E quase tudo passa... dores, felicidade, dúvida, raiva, mediocridade, caprichos.
Amor não.
As lembranças são para sempre. Como o amor.
Meus olhos são intrigantes. Meu cabelo é longo. Meu cheiro, natural. Meus pés estão lanhados. Minhas unhas das mãos são cumpridas e vermelhas. Meus dentes afiados. Meu sorriso cativante. Minhas lágrimas comoventes.
Sou compulsiva e fico sem ar enquanto não terminar alguma coisa. Até mesmo uma frase.
Às vezes sufoco quem amo. Mas isso passa também e tudo vira mera ansiedade.
Tenho uma filha, que é a minha melhor parte e ás vezes invertemos os papeis.
Nada para mim é tão definitivo quando amar. E tenho a estranha mania de amar tudo que toca meu coração.
Coleciono amigos verdadeiros e não deixo pegar mofo. Tenho
acumulado alegria de viver.
Grito alto demais quando estou com raiva e choro dias inteiros até sarar.
Tento ser invisivel, mas não dá.
Fico inebriada com o fogo e minha temperatura é sempre febril.
Preciso de música quase tanto como o ar.
Nenhuma poesia me chocou tanto como ouvir "eu te amo".
Não tenho hora de voltar ou ir embora. Às vezes perco o ônibus.
Gosto de doces, empada, lazanha e champanhe. E também de dirigir em alta velocidade.
Adoro andar descalça e não tenho jeito para sentar.
Tenho todos os medos do mundo mas pulo do penhasco mais alto para tentar voar.
Ah, como é bom ser livre!
Meu joelho tem cicatrizes, como meu coração também.
E daí?
A falta de tempo é sempre uma desculpa dos que não sabem viver....
Não tenho relógios. Para que?
Subo na montanha russa em pé até ficar inebriantemente tonta.
Sou ímpar, singular, inclassificavel.
E ninguém me impede de sonhar.
Eu escrevo minhas histórias. E você?

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

MENINO BONITO



Eu nunca fui muito de gostar de homem moreno, mas também não sou de me definir em estilos. Gosto de gente, morena, branca, negra, alta, baixa, gorda, magra, nova ou velha. Mas esse menino é moreno e tem um sorriso pra lá de contagiante. Ele tem também cara de sério, roupa de sério e de sério só tem a meninice. Eu, que nunca gostei de cara muito sério, não me enganei. Ele me faz rir com seu jeito às vezes desajeitado de ser ele mesmo. Tem um jeito carinhoso e querido, que conquista homens e mulheres. E comete tantas loucuras que me dá medo! E também um tesão enorme!
É bom estar do seu lado, ou apenas por perto, mesmo com tão pouco tempo que o conheci. Por segundos, parecem meses. E os meses parecem instantes. Sua presença é tão sólida em nossos parcos encontros, entre coxas e bocas, as nossas e de terceiros, que fico muito curiosa diante deste fato. Ele fugaz, muda o tempo todo, não lembra o que fez e nem sabe o que fará. Ele é carente, quer todas, quer muitas, nem sabe bem o que quer. Ele é uma roda gigante, uma montanha russa, um funk misturado com samba de roda. Ele é uma multiplicidade. Tem hora que desaparece feito foguete e deixa pelo caminho seus rastros de fogo. Algumas vezes eu morro de ciúmes, um ciúme esquisito porque nunca fui dada a ciúmes de qualquer espécie. Mas a maior parte das vezes eu morro é de rir.
Ele é muito diferente de mim, mas de um jeito que não sei explicar, nos entendemos muito bem. Nas poucas vezes que paro para pensar na lógica desse encontro, eu me sinto uma estranha no seu mundo ordeiro e correto e no seu mundo de loucuras e êxtases.
Ah, mas ele é uma multiplicidade...Deve ser por isso que ele me intriga tanto, porque na verdade é igual a mim e isso dá curto circuito.
A gente nem se conhece direito, mas eu aprendi o nome de sua mãe dia desses e isso me concedeu uma certa intimidade. Às vezes ele pergunta sobre minha filha e eu fico com medo de parecer apenas uma mãezinha dentro do seu mundo tão peculiar. Eu procuro chamá-lo pelo apelido, talvez para manter uma certa distancia do mundo real que nos cerca. Mas eu acho que ele nunca foi da outra superfície que nos conhecemos, porque de um jeito que não sei explicar, ele é tão real que não o reconheço em outras estadas.
Eu não sei se vamos nos conhecer de verdade, nem sei se vamos nos encontrar de novo, se vamos nos beijar e se voltaremos juntos para casa na próxima festa. Nem sei se vai me fazer rir ou vai me dar prazer. Não entendo o ciúme e essa amizade que dá tanto beijo na boca e uma vontade eventual de fazer sexo. Não entendo porque eu não quero nada com ele mas porque me dá uma moleza no coração quando olho nos seus olhos carinhosos. Não sei de muita coisa sobre ele, talvez um pedaço do que me mostra, que às vezes é muita coisa, às vezes é quase nada e nem sei se quero saber. Às vezes eu quero falar com ele o que sou para ver se eu entendo o que ele é.
Eu sempre fui uma pessoa racional, sempre tive explicação para tudo e para ele não sei dizer qualquer palavra que faça mais sentido.
Talvez diga apenas que ele me desperta, me anima, me atiça, me impregna de gás.
Talvez eu tenha certeza que essa falta de explicação seja recíproca.
Talvez o melhor desse encontro é não saber de nada e muito menos esperar alguma coisa dele.
Menino moreno, como é bom viver sem ter que esperar alguma coisa de alguém... Uma ligação, recados gentis, promessas fáceis, encontros pré-determinados, angustias de sentimentos confusos, a melhor forma de agir, o melhor sorriso, a cruzada de pernas perfeita, o olhar caprichado, a concorrência...
Eu só olho nos olhos dele e pronto! Posso ser o que sou!!
E quando a estrada da vida faz a gente tropeçar um no outro, eu posso me permitir esperar que seja apenas meu amigo naquele momento e talvez na eternidade que nós pertence durante o tempo que estamos próximos.
Eu falo tanto que lhe falta juízo... falta não... ele é um aventureiro, uma criança aventureira querendo descobrir o mundo e o seu próprio mundo. Talvez seja por isso que gosto tanto dele, porque ele não tem limites.
Esse moreno é bonito e é bom saber que seu sorriso estará sempre presente em minhas mais doces lembranças.
E que esse sorriso fica melhor quando está junto do meu.

DESVIRO


Quando eu mudo, mudo de verdade, não tenho meio termos nem frescuras, vou no âmago, no fundo do poço, chego a pensar que não vou sobreviver. Poderia me intitular fênix, mas não vejo mitos, apenas uma dolorida verdade. Porque mudar dói e muitas vezes deixa cicatrizes.
Mudança não é apenas alterar a cor dos cabelos e corta-los, trocar o lugar dos móveis, modificar a cor das roupas que usa e até os seus estilos. Dizem que para mudar é só começar com os pequenos hábitos, as pequenas rotinas. Não acredito. Mudar é de dentro para fora, uma conversa constante com seu alter ego e os encontros com sua própria alma deslavada.
Eu repito muitos erros cometidos e tenho uma dificuldade enorme de mudar essa repetição, mas vou mudando aos poucos. Não basta eu mudar de lado ou virar a cabeça de um jeito diferente.
Assim como não acredito em mudar a nossa própria natureza para credenciar as pessoas uma máscara que não é a nossa.
Estou na fase das “não máscaras”. Não quero mais me disfarçar de codinomes, figuras de linguagem e ficção para ser quem eu sou de fato. Alias, nunca gostei disso, mas às vezes a gente acaba sendo levada pelas condições apresentadas pela sociedade. Não quero ser o que não sou, não quero ser insuportavelmente o que não sou. A pessoa que olho no espelho é a aquela que vai se modificando com os anos e as histórias, mas ainda assim é a mesma pessoa.
Eu me arrependo de coisas que fiz, de palavras que disse e das que não disse, de impulsos, ansiedades e até de parecer ser o que não sou. Me arrependo de coisas que não fiz, de momentos que perdi, dos medos, das travas, dos “eu te amo” que ficaram presos na garganta. Mas não me arrependo de ter sido o que sou, de ser quem sou, de ter vivido tudo o que vivi.
Minha vida é um movimento constante, uma roda que gira o tempo inteiro e as vezes me dá enjôos. Conheci coisas boas e ruins, pessoas que valeram a pena e outras que não se devem lembrar, músicas lindas e inesquecíveis, livros chatos, livros mágicos, lugares incríveis, sensações espetaculares. Nem sei se vou viver muito mais ou se meu espaço será breve. Mas sei que minha vida é uma mudança eterna. E na verdade, sempre sou eu.

GOSTO NÃO SE DISCUTE


Gosto não se discute, mas mal gosto se comenta. Mas o que é o mal gosto para quem é diferente de nós?
Meu ex-namorado sai cada dia com uma mulher diferente. E todas elas são bem diferentes de mim. Então, ou eu estava deslocada de seus gostos pessoais, ou ele está realmente querendo se desvencilhar de alguém que pareça comigo.
Ah, para encher meu ego eu poderia dizer que ele está tentando me esquecer de qualquer forma, como é prática dos homens, porque segundo o livro da guerra, a melhor defesa é o ataque. Afinal, quantas mulheres como eu ele pode encontrar no mundo? E até onde minhas imperfeições são tão ruins para sua rotina? É tão bom pensar dessa forma, mas o desconforto disso pode ser maior que o prazer de se sentir amada pelas vias tortas. Porque amor não vivido é drama e isso é pior que mal gosto.
Mas ele está escrevendo poemas, textos, músicas para elas... então todas são iguais a mim? Até onde se faz tudo igual e onde as pessoas não são iguais em nossa vida?
Ele tem uma delas, que chama de “gatta”, cuja sua impressão de desejo o cega de tal forma que ele não percebe o quanto é ridículo. Acredita que a tal “gatta” é a visão do paraíso e que todos os homens a vêem como ele próprio. E a pobre mulher estranha é apenas alvo de risos fáceis e de um leve deboche de sua figura oriunda dos discos de vinil dos anos 60, vide Janis Joplin em tempos de guerra.
Será carência afetiva e necessidade de aceitação?Seus olhos tão sensíveis me remetem a quere-lo bem, mesmo dentro de outras histórias normais, tristes, divertidas ou esdruxulas.
Joguei minha carência debaixo do colchão, porque não quero mais ser capaz de errar tanto. Prefiro continuar aprendendo a vida de outra forma e me relacionando com as pessoas que podem me acrescentar realmente algo além de uma diversão imaginária.
E sem ego, a vida continua e vamos por ai pegando as pedrinhas no caminho para jogar para o alto como brincadeira de criança. As vezes a gente derruba, cata de novo, cai e deixamos para lá. Assim é a vida. Pedrinhas que vamos catando nas estradas de nosso caminho. Algumas pedras mais especiais a gente coloca no bolso para guardar, mas só as preciosas duram para sempre em nossa lembrança.
Mas como reconhecer “a” pedra especial?

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

TRANSPORTE


Catarse:sf (gr kátharsis) 1 Purgação. 2 Purificação. 3 Psicol e Med Método de purificação mental que consiste em revocar à consciência os estados afetivos recalcados, para aliviar o doente dos desarranjos físicos e mentais oriundos do recalcamento.
Tudo o que fazemos será uma catarse? Será que cada linha de texto, poesia, frase, não esconde em si uma pseudo-explicação para a loucura que paira em nosso interno?
Meu nome é catarse. Vivo em constante desvio de rota para expurgar sentimentos daninhos que possam, remotamente, abduzir minha alma. Falo de amor, de dor, de erros, de acertos, de sentimentos contidos, de sentimentos extrapolados, de raivas, confusões, dramas, risos, gargalhadas até. Falo de mim. Uma mistura inconseqüentemente divina de tudo o que é emoção da face da terra. E do universo, talvez.
Talvez, só talvez, eu possa dizer que num momento me desvencilhei das catarses e aprimorei meu senso critico. Mas será que até mesmo nele não estava minha purgação? Falar de política, amigos, cotidiano, amores, beleza... Cada qual contém em si sua forma de transmutação. Um pedaço cru da gente, inserido no preenchimento das letras escritas e faladas. Até quando se rebusca a fala, quando se mente na escrita, ali está o que somos. O que sou de fato.
Vamos assumir nossos dramas! Porque não expurgar o tempo todo o que temos de ruim e rejuvelhecer?
Cada silencio, palavra dita e escrita, cada remoto movimento está lá nossa forma de mudança, nossa necessidade de ser outra pessoa, melhor, diferente, menos enjoada, menos conflitante, menos de menos... muito mais, como se não fossemos muita coisa. A busca do personagem perfeito, sem entender que somos todos eles, um pouco de cada um que criamos para nos esconder de si mesmos.
Eu não sei na verdade quem eu sou... ou será que temos medo é de admitir isso?
Eu não tenho não... eu faço catarses...

Eu não sei quase nada do mar


Sou intensa e assusto, mas não mordo ninguém, a não ser de levinho, que nem dá para machucar... É fácil se assustar com alguém que não tem medo de ser o que é, nem de assumir os próprios erros. É cômodo se assustar com quem vive apaixonada por si mesmo e pelo amor, pelo que ele é de fato. Sou como sou, e acima de tudo, uma artista visionária. A arte de viver é meu maior talento e assim aperfeiçoou minha técnica de sobrevivência.
Intensa...Alguém pode me apresentar um autentico poeta que sabe escrever sem viver os amores e dramas, como rimam os versos? Sou uma escritora, que olha para o mundo com olhos curiosos. Ah, que redundância dizer intensa... a vida só pode ser vivida assim.
Sou uma mulher que não sabe viver de mentiras e se expõe demais. Quando quero é por inteiro, quando vou embora, é para sempre.
Não sei explicar meus gestos e motivos: não quero e não preciso. Só quero ser feliz, em cada detalhe do meu tempo, em cada forma dos meus sonhos. E sou. Alegre demais, triste demais, tudo quando tem que ser, tudo ao mesmo tempo e com a força indissolúvel que teima dentro de mim.
Talvez eu seja um exemplo de fé, sobretudo nas horas que acredito que Deus existe. Então removo montanhas e estilhados cravados em almas sedentas de contenção.
Quero estar ao lado dos artistas da vida, dos sonhadores, dos lunáticos, dos iguais, daqueles que são complexos demais para se entregarem as mesmices e falcatruas dos moralistas, da felicidade fácil da ignorância, da hipocrisia dos ranços. Quero aqueles que sabem que complicar a vida é só atrasar a simplicidade que os sábios escolheram para viver.
Quero amar e ser amada pelo imperfeito, o homem torto, o amor certo do incerto.
Quero ser o vento em suas nuances, o mar em seus mistérios e as palavras piegas dos apaixonados.
Sou poesia que nem sempre rima, sou história de livro de sebo, cordel do fogo encantado, musica de todos os sons, sentimento no osso.
Uma possibilidade.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

AQUI JAZZ


Solenemente informo: acabou. Ontem te enterrei, finalmente, sem as mãos postas para fora. Rezei uma oração para sua alma, derrubei umas lágrimas do passado e pensei em tudo de bom que você deixou no legado de minha história. Mas então você se foi.
Ouvi nossa canção pelo rádio e senti uma homenagem póstuma. Lembrei suas palavras antigas, li suas poesias, vi suas fotos e num gesto de nostalgia, peguei um bilhete de teatro do primeiro passeio que fizemos. Anotei seus códigos e os meus, refiz nosso percurso e observei nossos sonhos. Guardei tudo numa caixa simples e bela. Até mesmo um livro de poesias de Pessoa. Enterrei junto de você.
Fim. O fim poderia ter sido antes, mas era cedo demais para que eu entendesse. Eu queria mais, sempre quis, sempre quis além de tudo o que sempre tive. Estou toda arranhada, permiti. Deixei meu coração ficar bem esfarrapado, mas ainda dá para costurar. Aprendi a dar pontos de bordado e posso reescrever nele as palavras e histórias perdidas em você.
Mas uma hora os aparelhos são desligados e aquele fiapo de esperança se torna apenas memória. Não cabe mais decepção, nem implorar uma chance de consertar o que se fez de errado, nem voltar ao tempo e pisar no caminho certo e pré-escrito. Não há perdão. Só a morte. O fim, o fiapo de coração desalinhado e a secura dos olhos cansados de chorar e agora tão obliquos.
De frente para o vento, deixando ele bater e levar teu pó.
“Voa com as lembranças”.
Agora só resta colar mais essa página do meu livro de memórias, porque história de amor não se consegue arrancar as páginas.
Só não sei como se tira da pele o teu cheiro. Nem com esponja, nem com sal. Nem com soluções.

SEM FÔLEGO


Bati tanto com a cabeça que rasgou um pedaço da pele. O fiapo de sangue já começa a escorrer e incomoda minha visão. Antes disso, meus olhos já embaçavam. Estou tão tonta que erro até os passos mais simples. Nem consigo mais esbravejar. Mas o que irrita é o arfante nó no peito, o embrulho no estomago e a vontade de não existir.
Errei.
Precisava ser normal, ter uma vida norma, pensar normal. Esse sufoco já bastou, agora transborda. Que pecado cometi? Dura e queimada nas artimanhas do inferno, estou de joelhos entregue a culpa.
Bicho suicida. Eu sou um bicho suicida. Quero pular do alto do prédio mais alto. Quero flanar pelas suas janelas abertas e sorrir para as pessoas normais, na hora que escovam os dentes, quem esmurram as crianças, que almoçam, que jogam cinzas de cigarro no carpete, que limpam as mãos sujas de doce na roupa, que falam dos outros vizinhos, que tem dor de barriga e, mesmo reclamando entre os corredores sobre o emprego abominável, o colega falso, o homem ignorante e a mulher frigida: sorriem.
Deve ser por isso que minha cabeça está cortada, meu estomago ardendo, minha vida desgovernada no enguiço dos meus atropelos. Eu preciso sorrir, apenas sorrir. Assim, passa, disfarça, parece menor.
Não estou vendo mais nada. Tem sol na fresta aberta da porta. Mas meus dentes se destacam na luminosidade.