
Às vezes me dá uma raiva ao ver a cobertura maciça da imprensa brasileira sobre a presidência dos EUA. Eu entendo a importância mundial de tal escolha, mas meu mau humor oriundo de uma sexta feira de halloowen ainda não passou. Não quero crivar bandeiras nacionalistas no solo gentil da pátria, até porque sou antropofágica demais para isso, mas é estranho demais virar e ver estampado em todos os jornais as fotos e as propostas do candidatos a presidência de outro país. Acabamos de eleger um prefeito, estou mais preocupada com meu mundinho.
É claro que isso é uma visão tola e pequena, mas muitas vezes é tudo isso que precisamos no momento. Saber o que o prefeito eleito vai efetivamente fazer para melhorar a minha rua é imediato alívio. E se haverá escolas, hospitais, creches e se quando eu sair de casa tenho mais chances de voltar sem levar uma bala perdida. O impulso bárbaro de olhar para o próprio umbigo muitas vezes me deixa muito culpada, mas faz parte do capitalismo instituído, cujo maior representante seja o próprio EUA. Eles ditam, não só o Oscar, mas também a economia mundial.
E no meio de toda a contradição entre a minha visão egocêntrica e a mega extensão econômica do assunto, sobre tudo relativo se a crise mundial vai me afetar diretamente, uma situação em especial me comoveu. Quando soube oficialmente, na madrugada do dia 05 de novembro, que o candidato Barak Obama foi o vencedor na super divulgada disputa presidencial dos EUA, não pensei se ele era americano, brasileiro ou qualquer pormenor que deve ser julgado no momento de uma eleição. Tudo ficou insignificante para a importância histórica da vitória deste homem.
Fomos todos acostumados a ver os EUA como um país que não aceita seus negros, nem os latinos e os de origem árabe. Lembro de histórias cruéis e preconceituosas do passado e do presente. Os considerados minorias, foram colocados a margem da sociedade, humilhados com separações e se tornaram cidadãos em eterna rebelião diante de uma sociedade injusta. Porém, tudo isso foi amplamente divulgado pelo cinema norte-americano, mas mostra o que está diante de nosso umbigo também. Afinal, nós brasileiros convictos, somos uma mistura inter-racial, que muitas vezes renegamos nossa cor e descendência, com preconceitos baratos e incoerentes.
Olhei pela tv nos olhos de um homem relativamente jovem, mulato, com um enorme carisma e com o destino marcado para ser um herói, mesmo que faça o pior governo que já se tem noticia. Com mãe branca, pai negro e africano, padrasto indiano e coberto de preconceitos ao longo de sua vida, Obama tem o nome semelhante ao maior inimigo americano, Osama. Um trocadilho de palavras e um deboche a cultura moralista e hipócrita que nos acostumamos a aceitar como ideal e que criaram ídolos como Luther King e Malcom X.
No meio de uma lágrima de emoção, lembrei também da vitória de Lula. Um barbudo com
diploma de segundo grau debaixo do braço, adquirido por um supletivo e que tinha uma verve inebriante, insistiu e acreditou tanto que chegou ao poder enaltecido pelo povo que o elegeu. Foi nossa “Queda da Bastilha”. O povo, enfim, no poder. E como a famosa revolução francesa, apenas os nomes foram alterados e muito do antigo permaneceu. Já não importa mais se o sonho de um governo perfeito ficou apenas no sonho. O símbolo de um homem comum, que não sabe sequer falar a língua dos yankes e ainda assim ascendeu é nobre.
Todo homem precisa de esperança para continuar seguindo. A esperança depositada em Lula foi de um homem que possa entender a língua dos plebeus. A de Osama é que não exista mais distinção de raça, religião ou mesmo sexo para se qualificar uma pessoa. No reino capitalista, egoísta, soberbo, supremo, somos todos frágeis, solitários, inseguros e substancialmente prejudicados pelo nosso próprio preconceito e mediocridade. Alguns ídolos morreram de overdose, ou foram assassinados ou simplesmente caíram no poço da esquecimento ao se tornarem pessoas comuns.
Como foram os ídolos de outrora que morreram de overdose ou foram assassinados ou simplesmente viraram pessoas como todas as outras desprovidas de superioridade, o mundo precisa de alguém que traga esperança, que crie códigos de compreensão, que tenham vínculos com a necessidade mais básica.
A vitória de Obama não foi só de um país, mas da humanidade.